Dúvida inversa e os efeitos da prenotação

No DJe de 20.7.2016 foi publicada a intimação do acórdão proferido na Ap. Civ. 0013913-10.2013.8.26.0482, de Presidente Prudente,  julgada em 21/6/2016, rel. des. Manoel de Queiroz Pereira Calças. Essa dúvida foi julgada prejudicada, não se conhecendo do recurso.

A questão a ser destacada aqui reside num aspecto marginal do acórdão, posto em relevo pelo representante do Ministério Público: a perda de eficácia da prenotação quando da instauração tardia da dúvida inversa.

O título havia sido prenotado na serventia que, ao cabo rigoroso exame feito pelo Oficial, a inscrição acabara denegada. O interessado, não se conformando com as exigências, postulou diretamente ao juízo competente, aviando sua discordância, fazendo uso da via alternativa da dúvida inversa, criação pretoriana admitida em São Paulo, mas que afronta o sistema criado pela própria Lei de Registros Públicos (inc. I do art. 198 c.c. ic. I do art. 203 c.c. art. 205 da LRP).

Atalho perigoso – hic sunt leonis!

Gostaria de sublinhar, nestas breves anotações, que os expedientes criados para atalhar o processo formal do registro, sob o pálio da desburocratização e agilidade na prestação jurisdicional, pode dar ensanchas à criação der lacunas, inoculando o germe da insegurança jurídica.

É o que vislumbrou o ilustre representante do Ministério Público.

É certo que há expressa determinação nas NSCGJSP que prevê, para os casos de suscitação de dúvida diretamente pelo interessado, procedimento lateral de notificação do fato ao oficial competente para que este preste informações, “momento em que deverá prenotar o título”. (item 41.1, Cap. XX, NSCGJSP).

Sabemos, de sobejo, que a dúvida, em sentido técnico, não é hesitação, insegurança que resulta em estado de irresolução, desconfiança, vacilação, indeterminação mental, etc. Sabemos, também, que a dúvida é do oficial – não do interessado. Mas sabemos, sobretudo, que o interregno que calha entre a prenotação original e a postulação da dúvida inversa é periclitante. Nesse intervalo pode ocorrer a prenotação de títulos absolutamente contraditórios, o que gera insegurança e instabilidade desnecessárias ao sistema.

O eminente relator aponta a insegurança jurídica que a eleição da via alternativa da dúvida inversa pode representar:

A falta de prenotação ou a perda da sua eficácia constitui um vício grave que impede o conhecimento do recurso, pela simples existência de um risco capaz de comprometer a tutela jurídica garantidora da prioridade firmada por uma prenotação legítima no âmbito da mesma Serventia Imobiliária, pois a caducidade do direito dos apelantes, na forma do art. 205 da Lei nº 6.015/73, deixou aberta a possibilidade, em tese, da recepção de títulos legalmente graduados […].

A solução dada para o caso –  avanço na análise das questões de fundo, mesmo na hipótese de não observância de requisitos de admissibilidade do recurso de dúvida – é uma resposta dada a uma pergunta mal elaborada.

Não seria mais lógico, seguro e adequado simplesmente cumprir a Lei de Registros Públicos e denegar, liminarmente, o conhecimento da chamada dúvida inversa?

Devido processo legal

Ricardo Dip, no relatório da Ap. Civ. 1058111-29.2015.8.26.0100, observa, de passagem, o desacerto dessa opção dos tribunais:

Cuida-se de prática, com efeito, que não está prevista em lei, razão bastante para não se admitir de fato, por ofensa à exigência constitucional do devido processo (inc. LIV do art. 5º da Constituição federal de 1988).

Não autoriza a lei uma livre eleição de forma inaugural e de rito de nenhum processo administrativo, e, na espécie, a “dúvida inversa” não se afeiçoa ao previsto expressamente na Lei n. 6.015/1973 (de 31-12, arts. 198 et sqq.).

Se o que basta não bastara, cabe considerar que ao longo de anos, essa “dúvida inversa” se tem configurado por um risco para a segurança dos serviços e até para as expectativas dos interessados. É que, não rara vez (e o caso destes autos é só mais um exemplo dentre tantos), o pleito não atende a tão exigíveis preceitos de processo registral (assim, o primeiro deles, a existência de prenotação válida e eficaz) que está mesmo de logo fadado a frustrar-se, levando a delongas que o humilde respeito ao iter imposto em lei teria evitado.

De fato, a criação de expedientes de atalhamento ao processo legal, derrogando regras formais provadas pela experiência e consolidadas pela tradição, sempre nos revela, a cada passo, o equívoco cometido e nos obriga a reaprender, com grande sacrifício, na senda de caminhos já trilhados.

Jurisprudência selecionada e comentada

REGISTRO DE IMÓVEIS – Dúvida inversa – Qualificação negativa de título judicial – Formal de partilha com aptidão para ingressar no fólio real – Inexistência de dúvida sobre a qualificação dos herdeiros e da viúva meeira – Princípio da especialidade subjetiva preservado – Dispensabilidade das certidões negativas – Ausência de prenotação a alertar sobre o risco de violação de direitos de terceiros – Dúvida inversa prejudicada – Recurso não conhecido. @ AC 0013913-10.2013.8.26.0482, Presidente Prudente, j. 21/6/2016, DJe 20/7/2016, rel. des. Manoel de Queiroz Pereira Calças.

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